terça-feira, 1 de julho de 2014

"A Ronda da Noite", Rembrandt van Rijn

Escolhi esta obra para ser a primeira publicação neste blog pelo significado que tem para mim: foi ao olhar para este magnífico quadro (quando tinha apenas 12 anos), que se encontra no Rijksmuseum em Amesterdão, com mais de 4 metros de largura, que algo em mim despertou para a Arte. Uma curiosidade e interesse imenso que permanecem até hoje. Apesar de não ser uma pintura com muito simbolismo, a sua qualidade expressiva, a quantidade de personagens existentes, os efeitos de luz e a dimensão da própria tela, cativam de uma maneira inesquecível o espectador (falo da minha experiência, obviamente).

Passando agora para a obra propriamente dita...

"A Ronda da Noite", Rembrandt van Rijn (fonte: Web Gallery of Art - http://www.wga.hu)
"A Ronda da Noite" (ou "A Ronda Noturna"), cujo nome inicial seria "A Companhia Militar do Capitão Frans Banning Cocq e o Tenente Willem van Ruytenburg", é uma pintura sobre tela executada entre 1640 e 1642. Corresponde a uma encomenda feita a Rembrandt para comemorar a construção do Kloveniersdoelen, a nova sede da Guarda Civil em Amesterdão, terminada em 1630. Terão sido feitas encomendas a outros pintores com o mesmo propósito, que retrataram outras das 6 companhias da Guarda Civil. Coube a Rembrandt pintar a companhia militar de Frans Banning Cocq.

O título atual da obra, " Ronda da Noite", terá sido escolhido pelos tons escuros presentes que faziam com que parecesse que se tratava de uma cena noturna. No entanto, por volta de 1947, limpezas feitas à obra, que retiraram uma grande camada de verniz que escurecia a pintura, revelaram que se tratava de uma cena diurna.

A pintura de Rembrandt é um retrato coletivo em que todos os personagens são retratados individualmente com uma grande precisão, podendo ser reconhecidos não só pelos traços exteriores mas também pelas armas que carregam. O pagamento da pintura terá sido feito por cada membro do grupo individualmente, que pagava o seu próprio retrato consoante o local que lhe era conferido e o tempo que demoraria a execução do retrato. No entanto, depois de terminada a pintura muitos dos membros da companhia, com a exceção de Cocq, ficaram insatisfeitos com o resultado.

O primeiro plano do quadro é dominado por duas figuras - o Capitão Frans Banning Cocq e o seu tenente Willem van Ruytenburgh. O Capitão destaca-se pela sua posição mais central, pela faixa vermelha que traz ao peito e, acima de tudo, pelo gesto que realiza com a mão esquerda, projetando-a para a frente, para "fora" do quadro, na direção do espetador. As duas personagens, Cocq e Ruytenburgh parecem estar a conversar. A figura de Ruytenburgh, muito bem-vestida, com uma expressão frívola e intensamente iluminada, contrasta com a expressão autoritária e severa do capitão.

Frans Banning Cocq e o seu tenente Willem van Ruytenburgh - detalhe d'"A Ronda da Noite" (fonte: Web Gallery of Art)

A composição d'"A Ronda da Noite" é extremamente elaborada e dinâmica. Centra-se na captação de um momento em que as personagens ganham vida. Destaca-se uma grande minúcia e técnica do pintor na execução dos pormenores, no fulgor e brilho dos metais, na cintilação dos tecidos, nos rostos das personagens e nos numerosos acessórios presentes em toda a composição. As fisionomias das personagens são muito expressivas e os gestos exatos e dinâmicos, o que contribui para todo um sentido teatral presente na obra.
Dentro de uma mesma cena, inúmeras outras "pequenas" cenas acontecem ao mesmo tempo. Rembrandt consegue representar uma enorme diversidade de ocupações e atividades que identificam a companhia.
O momento que parece estar a ser representado é aquele em que o Capitão dá ordem de partida ao Tenente, que ainda não a transmitiu aos homens, que não repararam no assunto e continuam as suas tarefas habituais.

Os jogos de luz desempenham também um papel extremamente importante mas um pouco incoerente, na medida em que as personagens iluminadas não parecem encontrar-se no interior do campo de uma mesma luz homogénea. Os efeitos de luz sombra criados pelos clarões intensos em certas zonas no quadro - nas figuras centrais e na figura feminina - e por zonas de grande penumbra, conferem um certo misticismo à obra mas são também um pouco incoerentes, parecendo ter sido imaginados pelo autor.

A paleta de cores é essencialmente escura, existindo algumas zonas de maior luminosidade e vivacidade na cor. O campo luminoso mais amplo e intenso do quadro é, sem dúvida, o que rodeia o Tenente, com vestes douradas, e a rapariga, de menores dimensões mas também muito iluminada, cujo vestido e cabelos dourados se distinguem de todas as outras figuras. Estas duas personagens contrastam com do Capitão, pintado a cores muito sombrias onde sobressai apenas a gola pregueada e cintilante.
Por outro lado, o atirador, que se encontra do lado esquerdo da menina, está todo vestido com tons avermelhados, que sobressaem bastante do quadro e estão também presentes na faixa que o Capitão Cocq traz ao peito.

As figuras mais enigmáticas da obra são, de facto, as duas personagens femininas representadas junto ao atirador de gibão vermelho. Enquanto uma se encontra escondida, a outra está extremamente iluminada, usando um vestido dourado e segurando na mão um corno que serve para beber e na cintura uma bolsa e um frango morto. Ambas as figuras foram representadas com uma estatura muito pequena em relação às outras personagens da obra, o que pode ser explicado por uma aproximação à pintura medieval que representava as personagens proporcionalmente à sua importância. No entanto, uma das figuras está extremamente iluminada, destacando-se imenso na composição. Talvez o pintor tenha querido representá-la como uma criança... Há quem veja ainda nesta figura feminina um retrato de Saskia van Uylenburgh, primeira esposa do pintor, que faleceu prematuramente no ano em "A Ronda da Noite" foi pintada. A verdade é que esta menina continua um enigma para muitos historiadores e críticos.

Figuras femininas - detalhe (fonte: Web Gallery of Art)
O artista assinou a pintura no canto inferior esquerdo e pensa-se que terá incluído também um autorretrato atrás do piqueiro, no fundo da composição.


Fontes: 
Art Book, Rembrandt, The Great Dutch Master – his life in paintings, DK, 1999
Bockemühl, Michael, Rembrandt, Taschen, 2001
Gombrich, E. H., A História da Arte, Phaidon, 2005
Janson, H. W., A Nova História da Arte de Janson, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010
Ormiston, Rosalind, The Life And Works of Rembrandt, Hermes House, 2012

Rijks Museum, The Night Watch [consult. 2014-05-12]. Disponível em: <URL: https://www.rijksmuseum.nl/en/search/objecten?p=1&ps=12&ii=7#/SK-C-5,4>
Werner, João, Aula de Arte - Análise do estilo de Rembrandt [consult. 2014-05-20]. Disponível em <URL: http://www.auladearte.com.br/historia_da_arte/rembrandt.htm#axzz30xm8INfN

1 comentário:

  1. Mas no secXIX o quadro foi chamado de Night Watch por Joshua Reynolds, devido ao fato de que, o quadro estar bastante deteriorado e obscurecido pela oxidação do verniz. As figuras eram quase indistinguíveis e parecia uma sena noturna. Só em 1947 depois de ser restaurado e que se aperceberam que a ação se passava durante o dia, num espaço teatral semiescuro como mostra a imagem.

    https://wahooart.com/@@/8YDJKC-Rembrandt-Van-Rijn-Night-Watch

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